LACUNA Roteiro Original

Roteiro com a formatação adequada

Baseado no conto Tic. Tac. Tic. 🕘


Marina e Júlio seminus, jogados no tapete da sala

FADE IN:

INT. ESCADARIAS DO PRÉDIO

Tornozelos femininos sobem escadas.

INT. AP DE JÚLIO

Júlio termina de escrever algo no notebook. Levanta-se.

INT. ESCADARIAS

Marina continua subindo as escadas.

INT. AP DE JÚLIO

Júlio coloca a caneca na mesa de centro e senta-se de frente à ela — depois da mesa, outra poltrona, depois dela, a porta. Ele demonstra impaciência e desconforto.

INT. PORTA DO APARTAMENTO

Marina entra no quadro, parando em frente a porta. Puxa uma chave que está pendurada no pescoço e coloca na fechadura. Segura a maçaneta

INT. AP DE JÚLIO — SALA DESARRUMADA

PONTO DE VISTA de Júlio. Pega a caneca e bebe seu conteúdo, olhando em direção a porta.

FADE OUT:

letreiroLACUNA

FADE IN:

Marina está na porta, ainda segurando a maçaneta.

JÚLIO

O que você tá fazendo aqui?

Júlio puxa um livro da mesa de centro e discretamente o coloca acima de um saco que ali estava. Marina entra calmamente, sentando-se na frente de Júlio.

MARINA

A gente precisa trocar uma ideia. Dessa vez sem perder o controle. Mas eu vejo que a gente já começou na mentira, pra variar você já quebrou o que disse e tá bebendo de novo.

JÚLIO

Te prometo que é a última vez.

MARINA

Não, Ju. Eu sei que isso é mentira também. Você é incapaz de mudar.

Se esparrama na poltrona. Respira pesadamente.

JÚLIO

Eu realmente não queria ter feito aquilo.

MARINA

Se você quer que eu sinta pena de você está falhando miseravelmente.

JÚLIO

Eu sei. Eu mereci. Tenho consciência disso.

MARINA

Não. Você não mereceu não, você merecia e merece muito mais.

JÚLIO

Tanto faz.

Marina cerra os pulsos e toma fôlego.

MARINA

E pensar que dei minha vida pra tu. Briguei com meus pais, me afastei dos meus amigos. Eu era a tua cadelinha. E tu sempre o machistinha escroto do caralho que me controlava.

Júlio descansa a cabeça na poltrona, olhando pro teto.

JÚLIO

É.

Júlio mantém alguns segundos de silêncio ainda olhando para o teto.

JÚLIO

Eu preciso que você vá embora. Agora.

Marina enche o peito e explode, dando um tapão na caneca ao se levantar.

FOLEY: caneca rolando na cerâmica.

MARINA

O que merda tu tem na cabeça, filho da puta? Eu me dei pra tu e tu me trata desse jeito até agora?

Júlio fecha os olhos marejados. Coloca as mãos no abdômen. Marina continua, circundando onde estava sentada.

MARINA

Pra variar tu com essas merdas existenciais que a gente não significa nada pro universo e não somos nada aqui. Essas bostas que tu fala e começa a infectar as pessoas que tão perto. Eu tô pouco me fodendo pro universo, Júlio. Eu quero saber do aqui. Do agora.

Júlio sorri enquanto a primeira lágrima se precipita pela lateral de sua face.

JÚLIO

É. Hoje eu vejo que você tá certa.

MARINA

Qual a graça?

JÚLIO

A vida. Essa merda toda é uma piada. É tudo uma piada de mau gosto.

Marina aperta a borda da poltrona que estava sentada. Olha Júlio.

MARINA.

Você não tem jeito. Acordei pra vida e notei. Não sinto mais tua falta…

Ainda com a mão no abdômen, Júlio aparentemente desperta, abre seus olhos e lança um olhar direto pra Marina. Pede enquanto Marina ainda fala.

JÚLIO.

Pare. Agora.

MARINA.

Eu não te amo mais.

Júlio fecha os olhos. Aperta o abdômen. Segundos se passam. Ele inclina-se pra frente. Pequenas risadas crescem até virar gargalhadas histéricas. Júlio levanta da poltrona, cambaleia e cai. Marina assiste incrédula e solta uma risada.

MARINA

Não vou cair nessa de novo. Tô cansada das tuas ceninhas. Esses teus truques pra sempre parecer que tá certo.

É interrompida por uma vomitada extrema de Júlio, que tapa a boca e lhe olha. Ela reage dando um passo para trás. Júlio nota recuando o dobro do espaço, e vomita com mais força. Júlio por fim desaba. Marina corre e se joga no chão, amparando. Verifica o conteúdo da caneca que eles estava bebendo. Quase regurgita com ânsia de vômito. Olha para a mesa e joga de lado o livro que Júlio mexeu. Acha o saco e vê que se trata de veneno de rato. Fecha os olhos. Solta a caneca.

[CÂMERA LENTA ATÉ PARAR COMPLETAMENTE]

FADE TO BLACK

imagem dos pés de Júlio e Marina entrelaçados sobre um sofá colorido. Há muita luz em volta.

FADE IN

INT. AP DE JÚLIO — SALA ARRUMADA

Agora a mesma sala está muito bem arrumada e limpa. Algo toca no aparelho de som. Marina e Júlio estão abraçados deitados no chão, pernas por cima das poltronas. Olham estrelas que brilham no escuro, coladas no teto.

MARINA

Não, sério, eu preciso te mostrar esse gif, hahahaha

JÚLIO

Lá vem tu com esses negócios de novo

MARINA

Mas é sério, pô. Olha isso.

JÚLIO

Ok! Ok! Isso foi fofo. Não muito, mais foi.

MARINA

Tu é chato, visse…

JÚLIO

Sai!

MARINA

Caramba… Isso é um ganesha, né?

JÚLIO

É sim, dá pra notar pelas cores.

MARINA

Tu tá ligado que se tu me deixar eu morro, né?

JÚLIO

Essa possibilidade não existe.

MARINA

É sério.

JÚLIO

É sério, pô. E se tu morresse eu não ia aguentar ficar vivo. Me mataria também.

MARINA

Ai eu seria culpada pela tua morte, é foda. É melhor a gente morrer junto, mais justo. Ninguém sofre.

JÚLIO

Concordo. Quando a gente tiver velho e chegar a hora a gente se livra dessa merda de vida junto.

MARINA

Fechou! Eu vou lembrar disso, hein?

FADE TO BLACK

FOLEY: Caneca espatifando-se.

FADE IN

INT. AP DE JÚLIO — SALA DESARRUMADA

Marina controla sua respiração acelerada. Júlio sofre convulsões sérias. Marina se ajoelha perto dele e lhe sela um suave beijo, depois coloca sua boca perto do ouvido dele.

MARINA

Se antes não te amava, agora eu te desprezo.

Marina larga Júlio que se estatela no chão. Espuma pela boca e tem seus ataques intensificados. Marina se levanta, limpando-se. Vai até a porta. Para e coloca a mão por dentro da blusa. Arranca a chave do pescoço e joga com violência em Júlio. Sai e fecha a porta com um estrondo.

CUT TO BLACK

FIM

Marina e Júlio seminus, jogados no tapete da sala


Setembro de 2016

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