11:43
Os olhos abrem. O espelho negro acende: 11:44.
— Filho da p-
Pés no chão gelado. Cabeça na água gelada. Língua no café gelado.
— Puta merda
11:47
Braço na manga da calça, ramela no tênis, perna na perna do pescoço, perfume no olho, pé na camisa, boina nas costas, mochila na cabeça. Mão na maçaneta, chute no portão.
Celular na mesa.
— Fala sério, véi
Chute na maçaneta. Celular na mão. Cara no espelho do quarto.
— MAS O QUE PORRA?
Braço na manga da camisa, ramela no olho, perna na perna da calça, perfume no pescoço, pé no tênis, boina na cabeça, mochila nas costas, mão no portão, calcanhar na esquina.
11:49
Dedo no whatsapp.
Chuva torrencial.
— FODA-SE!
Sebo nas canelas, joelho na poça d’água, caminhão na lagoa de asfalto, tsunami na cara.
— FODA-SEEEEEEEEEEEEEEEEEEE-
11:55
Encostado na parada. Areia no sapato. Ponteiro maior no doze. Depois no um. No dois. No três. Ônibus no horizonte.
— Finalmente, porra
Passa direto.
— AH MANO, PQP FALA SÉRIO
Outro vem logo atrás.
— AE, SATAN
Sobe. Cartão no leitor.
— SALDO INSUFICIENTE —
— PUTA QUE PARIU, BICHO. NÃO É POSSÍVEL
Cara de pau, vergonha no chão. Voz no piano. Boca quase no tímpano.
— Orshe, que porra é essa?
— Ae motô, meu cartão zerou e eu realmente preciso ir pra minha aula. Vou pular a catraca, visse?
Cara fechada.
— Beleza, desço na próxima parada então.
Parado na parada.
— Vai pelo mêi
— VALEU, MOTÔ!
Pé no meio fio. Chato na calçada.
— EAE, MAN
— bicho, não posso falar agora
Pé no degrau da porta do meio.
— WTF cê tá fazendo, cara?
— FACEBOOK, A GENTE SE FALA PELO FACEB-
Porta na cara, cara em suvaco, pau em bunda, em virilha, em pau, cotovelo no olho, fungada na nuca, pneu no buraco, cabeça no teto, perna na janela, véa gritando, bebê chorando, macho fedendo, encoxada marota, olhada com ódio, freada brusca, porta aberta, ejetado, cara no meio fio.
— Porra… Pelo menos cheguei
Calcanhar fritando. Corpo no RU. Fila na casa do caralho.
— :( Não vou desistir. Vai valer a pena
12:43
Fim da fila. Tédio. Tédio… TÉDIO. T É D I O. T — É — D — I — O.
T
É
D
I
O
TÉDIOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
(tédio ad infinitum)
Amigo a vista. Furada de fila.
— EAE
— Eae, man
13:00
Papo interessante aqui. Papo interessante ali. Papo, passo, papo, passo, papo, passo, papo, passo. Papo, passo, porta. Peito preso pelo braço.
— Espera aí
Amigo vai lá na frente.
“Velho, se mais alguma merda acontecer hoje eu vou metralhar todo mundo nesse restaurante universit-”
Ela na minha vista.
??:??
Nesse exato momento as peças caíram em seu devido lugar. Todos os astros se alinharam, toda vida fez sentido, todo o universo conheceu sua origem. Acabou a fome na África, a hipocrisia na religião, a corrupção no Brasil. Acabou a humanidade, inclusive. Só havia ela e aquele cheiro. Aquele cheiro… O cheiro que fez tudo valer a pena, o emaranhado pra sair de casa, o ônibus lotado, a fila infinita.
Com aquele cheiro cada incerteza se achou, cada vontade se concretizou, cada palavra se ajustou, cada neurônio se alinhou e todo o caos encontrou harmonia.
Aquele cheiro trouxe equilíbrio pela primeira vez que se há memória.