Cê realmente achou que essa ia colar, chapa?

I — O que o ônibus viu
Ao parar, Marcus viu uma menina de beleza exótica e estilo diferente sair do ponto e subir no ônibus. Sentado à janela, ele olhou para o banco vazio ao seu lado e sorriu, como se tivesse pensado em algo besta e imediatamente houvesse se auto censurado. O ônibus não sabe o que o menino pensou, mas viu que ele ficou estático quando sentaram ao seu lado. Olhando de soslaio, Marcus fitou discretamente a mesma menina que admirou há poucos segundos atrás. Agora podia admirá-la mais. De clara ascendência nipônica, a tal menina tinha cabelo curto, na altura do maxilar, liso, negro como uma noite sem luar, olhos cercados de maquiagem preta, roupas atleticamente justas e monocromáticas, headfones pendurados no pescoço e uma mochila anatômica preta. A garota parecia uma guerreira urbana moderna na luta da resistência contra um governo opressor e ditatorial.
O ônibus achou engraçado ao ver essa sensação nos olhos de Marcus. Então uma palavra flupulou da boca do garoto, a qual fez o ônibus tropeçar em um buraco no asfalto.
— Sabe que eu nunca conheci ninguém num ônibus? — disse ele à menina assim que o busão estabilizou.
Ela descansou os olhos pintados nele pela primeira vez e mostrou os dentes mais brancos que já haviam entrado naquele ônibus. Sorriu e retribuiu a frase.
— Sabe que eu também não?
Ele esticou a mão com malemolência.
— Marcus Albuquerq, 20.
Ela fez o mesmo.
— Sayu Meirelles, 22.
O ônibus tinha acertado a ascendência nipônica, visto o nome.
— Cê faz o quê? — perguntou ela.
— Só estudo, e você?
— Estudo, faço le parkour e aulas de desenho.
O ônibus entendeu as roupas atléticas.
— Cê faz que curso na faculdade?
Marcus deu uma risada envergonhada, deu um suspiro discreto e falou:
— Tive uns problemas com os estudos, tô terminando o médio agora. E você, o que faz?
Ela abaixou a cabeça e deu a mesma risada e mesmo suspiro que o garoto.
— Digamos que eu tive mais problemas didáticos que você.
Marcus recuou.
— Compreendo — ele falou, ciente que era melhor mudar de assunto. Deslizou os olhos para a blusa dela.
— Muse? Cê curte Muse?
— Sim, sim. Minha segunda banda preferida.
— A minha também. Radiohead é melhor, mas Muse é mais pop.
— Concordo! — exclamou ela.
— Meu cd preferido é o Absolution — falaram os dois em uníssono.
Pararam.
Olharam-se.
E caíram na risada.
— Estranho conhecer alguém com esse estilo aqui. Essa cidade tem a cultura morta e a sociedade podre — queixou-se o garoto olhando pra paisagem que corria na janela.
— Basicamente o que eu pensei quando cheguei aqui.
— Você não é daqui então.
— Não.
— De onde?
— Longe.
— Hm.
Mais uma evasiva e alguns segundos de silêncio.
— Minha parada tá chegando, vamo trocar email?
O peito de Marcus estufou imaginariamente ao ouvir isso.
— Sim, sim — falou puxando seu caderno da mochila e escrevendo seu email num pedaço de papel.
Sayu pegou o caderno, destacou o email dele e começou a escrever o próprio na borda de uma página. Se levantou e puxou a corda.
— A gente se vê por aí então. Tchau!
— Tchau! — Despediu-se Marcus erguendo o braço.
II — O que ele sentiu
Havia muito tempo que Marcus não se sentia assim. Desiludido por nunca ter encontrado alguém, tornou-se incrédulo e seco. Realmente detestava onde morava principalmente por causa das pessoas que eram massivamente padronizadas. Todos os seus dias tinham as mesmas cores, então o garoto tornou-se entediado também. Por isso Sayu pulou tanto as suas vistas. Por mais que tenha sido tão pouco tempo viu que ela concordava com ele onde ninguém concordava. Sorriram e o sorriso é uma conexão rara entre as pessoas hoje em dia. E sorriu novamente quando olhou o email com a caligrafia dela. E sorriu, finalmente, quando pensou que nunca havia conhecido ninguém num ônibus, muito menos esperança.
III — O que ela sabia
— A gente se vê por aí então. Tchau!
— Tchau! — Despediu-se Marcus erguendo o braço.
Ela se virou e enfiou a mão no bolso, triturando secretamente o papelzinho. Não se preocupava em relação ao email pois tinha dado um falso. Antes de pisar no último degrau da saída jogou os fragmentos no asfalto e pulou do ônibus, pisando nos fragmentos de celulose. Prometeu a si mesma que dessa vez era ela que ia pisar nos homens como pisou naquele papel.